
By Eden Antonio
Num continente onde 85% das empresas são microempreendedores individuais e onde a taxa de desemprego juvenil chega a 60% em alguns países, a cultura de empreendedorismo inclusivo emerge como uma resposta urgente e criativa aos desafios económicos da África contemporânea. Mais do que um conceito empresarial, este movimento representa uma reinvenção radical de como entendemos valor, cadeias produtivas e sucesso nos negócios.
Através de exemplos inspiradores da África do Sul, Moçambique, Brasil e iniciativas globais, este texto explora como empreendedores estão construindo ecossistemas onde a inclusão não é apenas política corporativa, mas o próprio cerne de modelos de negócios inovadores e sustentáveis. Descobriremos como lingerie feita à mão, resíduos plásticos transformados em tênis e cadeias de suprimentos que valorizam saberes tradicionais estão redefinindo o significado de sucesso nos negócios.
1 O Que É Cultura de Empreendedorismo Inclusivo no Contexto Africano?
A cultura de empreendedorismo inclusivo no contexto africano é caracterizada por:
- Valorização de Saberes Locais: Incorporação de técnicas artesanais e conhecimentos tradicionais
- Economia Circular: Reutilização criativa de materiais e zero desperdício
- Empoderamento Comunitário: Criação de oportunidades económicas em comunidades marginalizadas
- Comércio Ético: Relações justas ao longo de toda a cadeia de valor
Exemplo Prático: A Nette Rose (África do Sul) não apenas cria lingerie artesanal de luxo, mas capacita artesãs locais, preserva técnicas de costura tradicional e utiliza materiais sustentáveis em coleções limitadas.
2 Os Quatro Pilares do Empreendedorismo Inclusivo Africano
Pilar 1: Valorização da Identidade Cultural
- Desafio: Padrões eurocêntricos dominam o design global
- Solução: Marcas como Gugu Intimates criam lingerie em tons que celebram a diversidade de peles africanas
- Caso Real: Savara Intimates incorpora padrões tribais contemporâneos em suas coleções
Pilar 2: Sustentabilidade Prática e Não Performática
- Desafio: Greenwashing em grandes corporações
- Solução: Troo fabrica sutiens personalizados com tecidos excedentes, eliminando desperdício
- Caso Real: Evryday foca em autoamor e durabilidade, contra a cultura do descartável
Pilar 3: Acesso a Mercados Globais com Autenticidade
- Desafio: Barreiras à exportação para pequenos produtores
- Solução: Plataformas como Africa Rising conectam artesãos a mercados internacionais
- Caso Real: Nette Rose exporta para EUA e Europa mantendo preços justos para produtores
Pilar 4: Educação Empreendedora Contextualizada
- Desafio: Modelos educacionais importados não refletem realidades locais
- Solução: Lingerie Academy Africa capacita mulheres em design íntimo com foco em sustentabilidade
- Caso Real: Sewing Skills Development programa em townships sul-africanos
3 Casos Exemplares que Estão Redefinindo o Empreendedorismo
Caso 1: A Revolução da Lingerie Sul-Africana
A África do Sul está se tornando um epicentro global de lingerie ethical através de marcas como:
- Nette Rose: Lingerie handmade com seda sustentável e rendas artesanais, produzida por mulheres de comunidades carentes
- Troo: Bralettes custom-fit a partir de retalhos, com zero waste policy
- Gugu Intimates: Primeira marca a criar lingerie nude para todas as tonalidades de pele africana
- Savara Intimates: Uso de algodão orgânico e dyes naturais em designs inspirados em arte tribal
Impacto: Geração de emprego para +500 mulheres, preservação de técnicas artesanais e criação de produtos que celebram o corpo africano
Caso 2: Adidas x Parley for the Oceans – Lições para África
A parceria global entre Adidas e Parley for the Oceans oferece insights valiosos:
- Tecnologia Acessível: Transformação de resíduos plásticos em têxteis de alta performance
- Engajamento Comunitário: Programas de coleta envolvendo comunidades costeiras
- Educação Ambiental: Run For The Oceans levanta fundos e conscientização
- Metas Mensuráveis: Eliminação progressiva de poliéster virgem até 2024
Aplicação em Contexto Africano: Projetos similares poderiam abordar a crise de resíduos plásticos no continente, criando empregos e produtos sustentáveis
Caso 3: Natura Brasil – Modelo para Valorização de Saberes Tradicionais
- Bioeconomia Amazônica: 40% dos ingredientes vindos de comunidades tradicionais
- Repartição de Benefícios: Compartilhamento justo de lucros com detentores de conhecimento tradicional
- Preservação Cultural: Documentação e valorização de saberes ancestrais
Lições para África: Modelo replicável para marcas africanas valorizarem medicina tradicional, têxteis artesanais e ingredientes locais
4 Como Implementar na Prática – Guia para Empreendedores
Passo 1: Mapeie Saberes e Materiais Locais
- Identifique técnicas artesanais, materiais subutilizados e conhecimentos tradicionais
- Ex: Africa Fashion Upcycling mapeia tecidos tradicionais para reutilização criativa
Passo 2: Estabeleça Cadeias de Valor Éticas
- Garanta preços justos, condições dignas e repartição de benefícios
- Ex: Fair Trade South Africa certificação para pequenos produtores
Passo 3: Design com Identidade Cultural
- Crie produtos que celebrem rather than apropriem culturas africanas
- Ex: MaXhosa Africa knitwear inspirado em padrões xhosa contemporâneos
Passo 4: Medição de Impacto Real
- Métricas além do lucro: emprego gerado, técnicas preservadas, comunidades impactadas
- Ex: Social Enterprise South Africa framework de medição de impacto
O Futuro é Inclusivo por Necessidade e por Criatividade
O empreendedorismo inclusivo não é alternativa, mas imperativo económico para a África do século XXI. Como demonstram marcas como Nette Rose, Troo e Gugu Intimates, a combinação de saberes tradicionais, sustentabilidade prática e design inovador cria não apenas produtos belos, mas economias mais resilientes e justas.
O desafio que se coloca é escalar estas iniciativas mantendo sua autenticidade e impacto comunitário. A resposta pode estar em parcerias criativas como a da Adidas com Parley, adaptadas para realidades africanas, e na coragem de empreendedores que ousam redefinir o sucesso nos negócios.
Que estas histórias de empreendedorismo inclusivo e sustentável continuem ecoando e inspirando ações concretas. O mundo precisa mais de negócios que unam lucro, propósito e pessoas.
Parceria Adidas x Parley for the Oceans: Um Caso de Inovação Circular com Impacto Global
A colaboração entre a Adidas e a Parley for the Oceans, iniciada em 2015, revolucionou o conceito de sustentabilidade no setor de vestuário esportivo. A Parley, fundada em 2012 por Cyrill Gutsch, surgiu com a missão de transformar o plástico – uma das maiores ameaças aos oceanos – em matéria-prima para indústria. A Adidas, reconhecendo a urgência ambiental, tornou-se parceira estratégica para implementar em escala global a economia circular.
Mecanismos da Parceria:
- Interceptação de Resíduos:
- A Parley organiza operações de limpeza em praias e comunidades costeiras (como as Maldivas e o Sri Lanka), envolvendo pescadores e locais na coleta de resíduos plásticos.
- Tecnologia de Transformação:
- O plástico coletado é processado e transformado em Parley Ocean Plastic®, um material têxtil de alta performance. O processo inclui:
- Trituração do plástico em flakes
- Transformação em pellets
- Extrusão em fios têxteis (políster reciclado)
- Integração na Cadeia Produtiva:
- A Adidas incorporou o material em produtos icônicos como o Ultraboost e o Predator (tênis), além de roupas esportivas. Em 2022, mais de 50% do poliéster utilizado pela marca era reciclado, com meta de atingir 100% até 2024.
Impactos Mensuráveis:
- Ambiental:
- Redirecionamento de +10.000 toneladas de plástico de oceanos (equivalente a +500 milhões de garrafas).
- Redução de 50% no uso de água na produção têxtil (comparado ao poliéster virgem).
- Social:
- Geração de renda para comunidades costeiras através da coleta seletiva.
- Programas educacionais como o Parley Ocean School para conscientização ambiental.
- Econômico:
- Lucro de USD 1,5 bilhão com vendas de produtos sustentáveis em 2021.
- Fortalecimento da imagem de marca como líder em inovação verde.
Lições para Empreendedores Africanos:
- A colaboração entre grande indústria e iniciativas ambientais pode gerar impacto em escala.
- Resíduos podem ser recursos valiosos quando redesenhados com criatividade.
Natura Brasil: Valorização de Saberes Tradicionais como Estratégia de Negócio
A Natura, fundada em 1969, tornou-se case global ao integrar a bioeconomia amazônica em seu modelo de negócios. Seu programa Natura Ekos (2000) formalizou o compromisso com ingredientes da sociobiodiversidade brasileira, criando uma cadeia de valor que respeita pessoas e floresta.
Pilares do Modelo Natura:
- Repartição Justa de Benefícios:
- Pagamento acima do mercado para comunidades extrativistas (++30% em média).
- Contratos de longo prazo que garantem estabilidade financeira.
- Preservação de Conhecimento Tradicional:
- Parceria com +40 comunidades amazônicas e +5.000 famílias.
- Documentação científica de ativos da biodiversidade (ex: castanha-do-pará, murumuru, priprioca).
- Inovação com Identidade:
- Desenvolvimento de produtos que fundem ciência e sabedoria ancestral (ex: perfume Ekō Maracá com óleos amazônicos).
- Design que celebra cultura local sem apropriação indevida.
Impactos Mensuráveis:
- Ambiental:
- Conservação de +1,8 milhão de hectares de floresta em pé.
- Uso de +80% ingredientes renováveis em fórmulas.
- Social:
- Geração de R$ 2 bilhões em renda para comunidades (2000-2022).
- Empoderamento de mulheres extrativistas (++60% dos lideranças comunitárias).
- Econômico:
- Linha Ekos responsável por ++25% do faturamento global da Natura.
- Reconhecimento como empresa B Corp e certificação UEBT (Union for Ethical Biotrade).
Lições para África:
- Bioeconomia como Vantagem Competitiva:
- Ingredientes únicos (como baobá, marula, shea) podem anchor marcas premium globais.
- Protocolos Éticos:
- Modelos de repartição de benefícios que evitam biopirataria.
- Storytelling Autêntico:
- Comunicar origem e impacto social como diferencial de mercado.
Síntese: Cruzando Oceanos e Florestas
Tanto a Adidas quanto a Natura demonstram que sustentabilidade gera lucro quando integrada ao core business. Seja transformando plástico em tênis ou valorizando óleos amazônicos em cosméticos, essas empresas provam que é possível conciliar escala global com impacto local.
Para empreendedores africanos, esses casos oferecem um roadmap:
- Identificar recursos subvalorizados (resíduos, saberes, biodiversidade).
- Desenvolver tecnologia ou parcerias para transformá-los em produtos de valor.
- Comunicar transparentemente a cadeia de impacto.
